terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quando os adultos temem unicórnios

Sabe a expressão "procurar chifre em cabeça de cavalo"? Pois é como eu vejo alguns adultos...

Diálogo com minha filha. (Troquei os nomes das crianças para proteger os coleguinhas de classe, não que tenham feito algo reprovável, mas por não ter conversado com as mães deles sobre o assunto.)

- Mãe, o João deu um beijo no José.
- Sim meu amor, amigos se beijam.
- Mas são dois meninos.
- Tudo bem, anjo, você não beija as suas amiguinhas?
- Eles vão se apaixonar?
- Assim: criança não se apaixona, criança não pode namorar, nem menino com menino, nem menina com menina e nem menina com menino. Quando crescer cada um escolhe.
- Mas a tia não gostou que eles se beijaram.
- Onde foi o beijo?
- Na bochecha. 

E agora? Tive de brincar, para não demonstrar meu descontentamento. Complicado quando uma "autoridade de ensino" tem uma opinião contrária à sua.

- Tia bobinha. hehehehe

Procuro de todas as formas dar uma educação inclusiva, sou contra qualquer tipo de preconceito e entendo que esses pequenos episódios do dia a dia são as melhores oportunidades de ensinar o respeito a toda e qualquer pessoa. Mas é complicado ir contra a maioria.

Até entendo a postura da professora. Afinal numa situação onde várias crianças que têm orientações diferentes, pais com opiniões diferentes é complicado. E reproduzir o discurso padrão é mais simples, principalmente se ela mesma tiver essa convicção. 

Explica, mas não justifica.

O que me incomodou muito foi o fato uma coisa simples, uma brincadeira, ou demonstração de carinho se tornar um "caso". Esse foi o assunto da manhã aqui em casa. Não sei se as outras crianças ficaram tão intrigadas quanto a minha filha, mas não é para tanto.

A maldade está na cabeça dos adultos, são eles que ficam procurando chifre em cabeça de cavalo e temem que essas brincadeiras sejam indícios de algum tipo de comportamento homossexual. (Já escrevi sobre esse tema no post Será que ele é...?)

Um beijo na bochecha não tem qualquer significado isoladamente, mas pode desencadear um série de comportamentos preconceituosos na cabecinha das crianças e assim teremos mais uma geração de pessoas que não sabem respeitar as diferenças.

E se por acaso alguns daqueles alun@s (@ é a forma de incluir os dois gêneros na mesma palavra) vier a se descobrir homossexual um dia? Certamente irá lembrar do olhar da professora, do riso dos colegas e começará o sofrimento desta pessoa. E se nenhum deles nunca vier a se descobrir gay, o comportamento de rir, de fazer piadas, ou fazer cara feia com demonstrações de carinho públicas homossexuais permanecerá.

Muitas mães e pais temem que seus filhos sejam homossexuais, alguns por questões religiosas, mas a grande maioria por ser uma condição (não é escolha, ou opção) que implica em sofrimento. E nenhuma mãe quer ver um@ filh@ sofrer. Mas fazem os filhos de outras mães sofrerem quando reproduzem comportamentos preconceituoso inconscientemente (embora existam muitas pessoas que são conscientemente preconceituosas, olhando apenas para a própria opinião e ignorando o sofrimento alheio, infelizmente)

Homossexualidade (não mais homossexualismo, fui corrigida no outro post sobre o assunto. O "ismo" dá ideia de doença, o "lidade" de identidade) não me é incômodo nem para conviver, muito menos para falar sobre o assunto. Respeito-@s muito. Principalmente aquel@s que sofreram muitos preconceitos, inclusive na família, mas que andam de cabeça erguida, assumid@s e sem fingimentos.

O que me incomoda (e muito!) é essa brincadeira de "namoradinho". Sou absolutamente contra a adultização, já que namorar é coisa que só gente grande faz. Existe também uma boa dose de machismo implícito nesse tipo de brincadeira, já que é "engraçado" se o menininho tenta "pegar" as meninas, mas se for a menininha a querer beijar os todos os meninos a brincadeira já não é tão engraçada. 

Sem falar que é uma medida protetiva contra pedófilos, que muitas vezes se dizem "namorados apaixonados" para seduzir e enganar.

Criança não namora! Com ninguém! Ponto final.

Quanta coisa por causa de um beijo... quanto preconceito implícito. As crianças não têm maldade e reproduzem o que vêem e ouvem. São espelhos dos adultos que a cercam. Estes menininhos provavelmente têm pais carinhosos que beijam os próprios pais (avós da criança), beijam irmãos e amigos e só. Não chega nem a ser assunto em casa, já que na casa deles tem beijo para todo mundo, vindo de todo mundo.Carinho não faz mal. Preconceito faz.


Por um mundo com mais respeito e menos preconceito.


Amem (é sem acento mesmo)

Cristine Cabral

Para continuar lendo sobre preconceitos: Livre estou, livre estou...