terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O "mais", o "melhor", o "primeiro"

Na época em que trabalhava na área organizacional e fazia muitas entrevistas para empregos ou estágio era praxe a pergunta: "Qual característica sua, você acha que precisa melhorar?" Nunca fiz nenhuma estatística, mas a impressão era que cerca de 90% respondiam: "A ansiedade. Sou uma pessoa ansiosa. Quero que as coisas aconteçam o mais rápido possível. Não gosto de esperar" Isso por si só não eliminava, nem aprovava os candidatos, dependeria muito do perfil solicitado para a vaga. Mas me perguntava: "Será uma 'epidemia' de ansiedade?"

Ano passado li o livro Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman e algumas citações me levaram a reflexão sobre o nosso contexto social contemporâneo:
“... não se pode errar, também não pode saber se se está certo." (p. 75) 
"Os objetivos podem ser estabelecidos apenas para a presente etapa do esforço sem fim – e a satisfação de alcançar um objetivo é apenas momentânea. (…) não há tempo para descanso, e toda celebração de
sucessos momentâneos não passa de um intervalo antes de outra rodada de trabalho duro (…) A busca da aptidão é um estado permanente de auto-exame minucioso, auto-recriminação e auto-depreciação permanentes, e assim também de ansiedade contínua." ( p. 92,93)
“convive-se com a falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), a incerteza (em relação à sua continuação e estabilidade futura) e a insegurança (do corpo, do eu e de suas extensões: posses, vizinhança, comunidade)” (p. 184).

Não pretendo fazer nenhuma análise social ou antropológica, mas sim, como mãe, pensar em como esta realidade pode afetar a minha filha e como psicóloga infantil como as crianças estão sendo educadas dentro deste contexto.

A ansiedade das mães quanto ao futuro dos filhos, uma ânsia em oferecer "tudo do bom e do melhor" muitas vezes não é sentida, ou percebida nem por elas mesmas, nem pelo contexto social, já que é "normal" preparar o filho para que consiga as melhores oportunidades e o quanto antes, que ele seja o "mais" competente, o "melhor" funcionário, o "primeiro" a ser promovido. Teoricamente isto lhe garantiria alguma segurança com relação ao futuro. (Teoricamente!)

Quando presencio uma reunião de mães, que não são amigas e sim apenas conhecidas, as vezes me sinto num concurso de "A Melhor Mãe da Face da Terra!" cujos critérios são o desempenho cognitivo, motor, emocional, social e etc das crianças. "Meu filho andou com 8 meses", "O meu tem 3 anos e já sabe escrever o nome", "A minha filha, é praticamente a chefe das crianças do prédio e só tem 6 anos". Até aí tudo bem, pois estando várias pessoas que tenha um único ponto em comum se falar só sobre este assunto. A "competição" que percebo é quanto aos olhares de reprovação àquela mãe que diz que não se importa do filho de 4 anos beber refrigerante, caso a maioria deles seja adepta da alimentação super-saudável, ou o olhar de "afff que exagero" àquela que diz que o filho tem 5 anos e nunca comeu nada industrializado, caso o grupo seja das adeptas das comidinhas de prateleira de supermercado. 

Essa cultura do "mais", do "melhor", do "primeiro" me preocupa sobre o quanto e como as crianças estão sendo afetadas por esse modelo de sociedade doentia, pois não é à toa que patologias como Síndrome do Pânico, Compulsão Alimentar (ou de álcool, ou de jogo, ou de compras, ou de qualquer coisa que traga sensação de prazer imediato), Transtorno Obsessivo Compulsivo, Fobias das mais diversas inclusive a Fobia Social, dentre outras mais têm sido cada vez mais diagnosticadas.

A palavra de ordem é "estimular". Mães procuram toda forma de estimular suas crianças desde os primeiros meses de vida, a mídia se favorece dessa palavra para vender jogos e brinquedos, colégios prometem além do ensino básico, os mais diversos tipos de estímulos. Não que estimular seja errado, mas, como tudo na vida, se a dose é excessiva, também se tornará prejudicial.

É lindo um bebê de 8 meses que já anda, dá orgulho ver o filho de 3 anos escrevendo o nome. Mas devemos analisar quais aspectos estão sendo estimulados, se essa corrida contra o tempo e contra os "concorrentes" não está "adultizando" cedo demais. E se a menina resolver ser a primeira dentre as amigas a beijar na boca com 10 anos, ou se o menino aparecer com alguma bebida alcoólica aos 13 anos? Se eles sempre fizeram todas as coisas mais cedo que os colegas, por que não começar logo a adolescência (com todos os seus riscos, dramas e preocupações)? Isso sem falar de como a criança se sente com relação a tantas cobranças de desempenho.

Então mãezinhas, cuidado com a dose... seja do remédio, seja do elogio, seja da disciplina... Só amor demais é que não faz mal, mas a forma como este amor é demonstrado, também deve ser moderado. Ninguém gosta de se sentir sufocado, nem mesmo as crianças.

Equilíbrio é a palavra de ordem.

Cristine Cabral

P.S. Se quiser ler mais sobre Ansiedade Infantil indico http://www.pediatriaemfoco.com.br/posts.php?cod=279&cat=8

2 comentários:

  1. Amiga Cristine,
    Faz uns dois dias que li o seu texto e fiquei pensando sobre ele... na realidade o assunto já foi por várias vezes alvo de nossas conversas. Mas, ao lê-lo fiquei pensando em pontos que ainda não havia pensado.
    Vamos lá então: vivemos numa sociedade capitalista, num país emergente em que as características do capitalismo, por vezes, tornam-se piores. Então, é meio que inevitável que queiramos que nossos filhos sejam os primeiros, os melhores, etc. tendo a falsa ilusão de que isso será o melhor para eles, digo ilusão porque ser o melhor e o primeiro é um caminho muito árduo e principalmente para as crianças. Contudo, apesar de achar meio que inevitável que levemos a educação de nossos filhos para isso, também penso que deverá ser inevitável o colo e o amor incondicional para quando ele não for o melhor, o primeiro etc.
    Tentei imaginar um pouco o lado da criança, a pressão em cima dela, com tantos estímulos. Fico imaginando uma conversa entre elas do tipo eu faço ingles, chines, natação, ballet e vc o que faz? E a outra responde: Eu faço espanhol, ou eu faço ballet. E a outra retorna: espanhol, mas para que isso? Vc tem que fazer eh inglês, ou ainda como assim vc não faz inglês, e chinês?
    Parece uma conversa de adultos né! Mas, penso que eh isso que a infância acabará se tornando se não tivermos cuidado.
    Enfim, o que quero dizer é que como toda mãe que vive num mundo capitalista vou estimular meus filhos sim, quero que eles sejam os melhores no que eles quiserem, mas vou tentar respeitar a infância deles, deixar que eles curtam a infância com preocupações amenas. E claro que se eles ficarem em alguma coisa tipo em 20º lugar, vou fazer que nem os pais do Ben Stiller naquela comédia entrando numa fria. Comemorar como se fosse o primeiro, e toda vez que ele quiser dar todo o colo do mundo.

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    1. Primeiro, obrigada por suas colocações. :)
      Depois você captou bem a ideia. Estimular não é errado, desejar o melhor também não, o complicado é a pressão e o respeito à individualidade da criança. Como já dito do post Sonhos de Mãe, até que ponto o estímulo está sendo dado por ser o melhor para a criança ou só para que se cumpra o desejo e o sonho dos pais?

      Cristine Cabral

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